quinta-feira, 23 de maio de 2013

Sobre Órgãos de Administração Eleitoral


Há vários modelos de administração eleitoral: governamental, misto e independente.
No modelo governamental, a administração eleitoral é da responsabilidade do ramo executivo do Governo, normalmente através de um ministério, e/ou governos locais.
No modelo misto, em geral as funções operacionais da administração eleitoral são da responsabilidade do ramo executivo do Governo, mas a supervisão é feita por um órgão independente, de composição variada.

No modelo independente, a administração eleitoral é completamente independente do ramo executivo do Governo.

Moçambique usa o modelo independente.

Dentro do modelo independente (independente, neste contexto, refere-se somente à independência de funcionamento da administração eleitoral em relação ao Governo), existem três configurações principais dos órgão de administração eleitoral: órgãos multipartidários, órgãos de peritos e órgãos mistos de partidos e peritos.
Os órgãos multipartidários são compostos, em geral, por um representante de cada partido político. Nos países com dezenas ou centenas de partidos, para garantir a funcionalidade do órgão, utiliza-se algum tipo de critério restritivo, como por exemplo, ter assentos no parlamento. Desse modo, apenas aqueles partidos que conseguiram assentos parlamentares têm direito a indicar um representante para o órgão eleitoral.

Os órgãos de peritos são compostos, em geral, por indivíduos com formação em áreas relevantes para a administração eleitoral, tais como administração pública, ciências políticas, finanças públicas, tecnologias de informação, sociologia, entre outras. Estes indivíduos são escolhidos através de concurso público com base em candidaturas individuais e, entre os critérios para candidatura, há limites relacionados com atividade partidária passada e presente.

Os órgãos mistos de partidos e peritos são uma combinação das duas configurações anteriores e, em geral, os critérios de composição para a componente de partidos políticos são semelhantes aos utilizados nos órgãos multipartidários.

Moçambique tem usado uma forma de configuração mista, em que a componente de peritos é atribuída a representantes da sociedade civil. O aspecto sui generis da composição dos órgãos de supervisão da administração eleitoral em Moçambique é que não só os partidos presentes nos órgãos de administração eleitoral têm mais do que um representante, como também o partido maioritário no parlamento tem a maioria dos assentos partidários nesses órgãos.

Esta práctica, decorrente do chamado princípio da proporcionalidade parlamentar, não respeita os princípios de igualdade, equidade e justeza eleitoral subscritos internacionalmente, nem se baseia em nenhum imperativo constitucional moçambicano.

O princípio da proporcionalidade é invocado com base numa prática parlamentar de atribuir lugares nos órgãos internos do parlamento aos partidos nele representados de acordo com a proporção dos assentos que eles ocupam.

O mesmo princípio é também usado na Constituição, no caso de órgãos específicos, nomeadamente o CSMJ e o CC, em que alguns membros são indicados pela AR. No que diz respeito ao CE, que também tem membros indicados pela AR, a Constituição não fala de representação proporcional, mas sim de representatividade parlamentar. Em relação a outros órgãos estabelecidos constitucionalmente e com membros indicados pelo Parlamento, como o CSMMP e o CNDS, a Constituição não determina nenhum critério de representatividade ou de proporcionalidade. Assim, a Constituição não trata de forma igual todos os órgãos que têm membros designados pela AR, no que diz respeito à maneira como essa designação é feita.

No caso da CNE, a Constituição apenas afirma que a sua composição será fixada por lei. Portanto, não há absolutamente nenhuma obrigatoriedade constitucional de compô-la com base em algum tipo de proporcionalidade. Ademais, a Lei da CNE não dá nenhum papel à AR na indicação dos membros que representam os partidos políticos. Essa indicação é da responsabilidade de cada partido e, à luz da lei, todos os partidos são iguais. Assim, não havendo qualquer comparabilidade com situações potencialmente análogas, em que a AR, através das suas bancadas, indica membros proporcionalmente para um determinado órgão, e dado que a Lei da CNE não apresenta qualquer argumento ou lógica para dar um número desigual de lugares a partidos legalmente iguais, a actual composição de 5+2+1 para os representantes dos partidos é injusta e indefensável.

Os processos eleitorais são processos políticos e, portanto, a composição dos órgãos que os administram torna-se inevitavelmente uma questão política. Como tal, é necessário, mesmo que nem sempre fácil de aceitar, conjugar os interesses e o contexto políticos e os princípios gerais de equidade e justeza eleitoral.

À luz destes princípios, a componente partidária da CNE devia ser composta por número igual de representantes de cada partido, podendo apenas aceitar-se um critério restritivo (por exemplo, apenas os partidos parlamentares têm assento efectivo na CNE) para garantir que haja um número funcional de membros, dado que Moçambique conta com mais de 50 partidos legalmente constituídos. Assim, a Frelimo, a Renamo e o MDM deviam ter, cada um, o mesmo número de representantes na CNE.

No entanto, o contexto político em Moçambique não permite a aplicação cega destes princípios. Por um lado, o partido no poder, habituado a maiorias em CNEs anteriores, nunca aceitaria uma composição em que, de repente, se encontrasse em posição minoritária. Por outro lado, para os partidos da oposição, uma maioria da Frelimo na CNE é irrazoável e inaceitável. Para a Renamo, em particular, há também o espectro especulativo de uma possível aliança entre a Frelimo e MDM, colocando-a em minoria na CNE.

Perante este cenário, a solução seria encontrar uma fórmula que tentasse conjugar, mesmo que imperfeitamente, o contexto e os princípios e que fosse aceitável para todas as partes como um mínimo denominador comum, mesmo que isso signifique concessões e o engolir de sapos de todas as partes.

Para acomodar a atual correlação política de forças no país, poderíamos conceber uma fórmula em que a CNE seria composta por representantes dos partidos políticos parlamentares, com paridade entre o partido maioritário, por uma lado, e os partidos da oposição, no seu conjunto, por outro. Isto, 50% dos membros designados pela Frelimo e 50% designados pela Renamo e MDM.

O presidente da CNE seria escolhido de fora dos partidos, por consenso dos membros provenientes dos partidos. Idealmente, seria um magistrado ou jurista reformado, idóneo e de reputação politicamente inquestionável.

Com tal fórmula, qualquer aliança entre dois dos três partidos poderia pôr o terceiro em situação desvantajosa. Para responder a este desafio, a tomada de decisões dentro da CNE seria por consenso ou por maioria de dois terços.

O argumento de que isto levaria a impasses (e que portanto é sempre necessário que haja um bloco maioritário) não é aceitável. Em primeiro lugar, diz-se que a CNE cessante sempre tomou decisões por consenso. Portanto, o consenso não é impossível nem improvável. Por outro lado, é do interesse de todos os partidos que o processo avance (se não, não aceitariam fazer parte da CNE) e portanto encontrariam sempre formas de chegar ao consenso. Por último, dizer que um partido tem que ter maioria para garantir a aprovação fácil de decisões e evitar impasses é admitir que os membros da CNE votam em bloco partidário e por interesse partidário, o que viola o espírito da lei, pois os membros da CNE, imdependentemente da sua forma de designação, só devem obediência à lei e não a quem os designou.

Tendo em conta os argumentos acima apresentados, a melhor fórmula para a composição da CNE, no contexto atual, seria de 5 (Frelimo) + 4 (Renamo) + 1 (MDM) + 1 (Presidente), num total de 11 membros, com decisões tomadas por consenso ou maioria de dois terços (8 votos).

Para acomodar os partidos extra-parlamentares, estes poderiam ter dois representantes com estatuto de observadores, tal como o representante do Governo e o DG do STAE, ou seja, com voz, mas sem voto. Esses representantes poderiam ser escolhidos em assembleia geral dos extra-parlamentares, convocada e presidida pela própria CNE.

Podem dizer que este texto é extemporâneo, pois a lei da CNE já foi aprovada e a CNE (ou pelo menos parte dela) já foi empossada. No entanto, temos a realidade política a acontecer também, com negociações entre o Governo e a Renamo, em que a composição da CNE é um dos pontos acordados da agenda, o que nos faz supôr que é assunto ainda em debate.
Daí, talvez, a relevância (ainda) deste texto.

MB.

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